Ainda não conseguiu parar para ler o TRAVERSE Study?
Não se preocupe! Nós, do EndoEsporte, preparamos um super-resumo, com os pontos principais deste que deve ser entendido como um estudo pivotal na área de Andrologia. Ou seja, trata-se de uma leitura essencial para você que milita na área de Endocrinologia Esportiva.
O TRAVERSE Trial foi um estudo de segurança cardiovascular feito para atender a uma exigência do Food and Drug Administration (FDA). O ano era 2015, e, com o boom de prescrições de testosterona no mercado norte-americano, o órgão de regulação dos Estados Unidos demandou das empresas que comercializam preparações de testo um estudo de segurança cardiovascular. E assim foi feito: um consórcio de três empresas do ramo, liderados pela AbbVie, se organizaram e patrocinaram esse trabalho, supervisionado pelo time da Cleveland Clinic.
Um total de 5.204 homens com diagnóstico prévio de hipogonadismo foram randomizados para reposição androgênica com gel de testosterona a 1,62% ou placebo. No Quadro 1 apresentamos a definição utilizada para fechar o diagnóstico de hipogonadismo.
Quadro 1. Critérios de hipogonadismo usados no TRAVERSE Trial |
1 ou mais dos sintomas a seguir:
– ↓ libido. – ↓ ereções espontâneas. – Fadiga ou ↓ energia. – Humor deprimido. – Perda de pelos axilares ou pubianos ou redução da frequência de se barbear. – Fogachos. – 2 dosagens de testosterona < 300 ng/dL. |
Esses indivíduos tinham de ter história prévia de doença cardiovascular (prevenção secundária – 55% dos pacientes) ou então apresentar três ou mais fatores de risco cardiovascular (prevenção primária – 45% dos pacientes) – população de alto risco cardiovascular!
Os pacientes foram acompanhados por um período médio de 22 meses, e, ao longo deste, a reposição com testosterona em gel foi titulada com o objetivo de manter níveis séricos de testosterona entre 350 e 750 ng/dL (reposição fisiológica).
Confira o vídeo resumo do estudo TRAVERSE:
Endpoint primário: 3 Point-MACE (IAM não fatal; AVE não fatal; morte cardiovascular)
Não houve aumento na taxa de eventos, e, com isso, a reposição androgênica foi considerada segura do ponto de vista cardiovascular para homens hipogonádicos. Vale ressaltar que não devemos extrapolar esses resultados para outros contextos, ou seja, esse resultado não se aplica a indivíduos não deficientes fazendo uso indevido de anabolizantes. Infelizmente, após a publicação do TRAVERSE Trial, observamos nas mídias sociais uma verdadeira enxurrada de postagens usando o estudo de forma inadequada para defender que “tomar bomba” não traz risco cardiovascular. Não é isso! Definitivamente não é isso…
SEGURANÇA
Houve elevação discreta nos níveis de PSA (da ordem de +0,2 ng/dL – p < 0,001) porém sem aumento concomitante na taxa de câncer de pâncreas (vale lembrar que elevação de PSA no baseline, história prévia de câncer de próstata e a presença de nódulo de próstata foram considerados critérios de exclusão).
Ocorreu também aumento nos níveis de PA sistólica (diferença de cerca de 1,8 mmHg em relação ao grupo placebo com p < 0,001).
…E ALGO INESPERADO ACONTECEU!
Na análise de eventos adversos, infelizmente, observou-se aumento na incidência de:
– Lesão renal aguda.
– Arritmias não fatais.
– Fibrilação atrial.
Na Tabela 1 apresentamos os dados principais referentes a esses sinais (preocupantes, a meu ver) de segurança levantados pelo estudo.
Tabela 1. Resumo dos principais eventos adversos | ||||
Desfecho | Aumento de risco relativo | Aumento de risco absoluto | p-valor | NNH |
Arritmias não fatais | 57% | 1,9% | 0,001 | 52 |
Fibrilação atrial | 45% | 1,1% | 0,02 | 90 |
Lesão renal aguda | 53% | 0,8% | 0,04 | 125 |
* NNH: number needed to harm.
Outro ponto, também visto como inesperado, foi um excesso de fraturas no grupo que recebeu a reposição de testosterona. Esse achado não consta na publicação oficial do NEJM (New England Journal of Medicine), porém foi citado pelo autor na sua apresentação no ENDO (Congresso Americano de Endocrinologia), evento no qual os resultados desse trabalho foram abertos pela primeira vez.
CONCLUSÃO
O estudo TRAVERSE, sim, atesta a segurança cardiovascular da reposição androgênica em homens hipogonádicos. No entanto, a meu ver, seu grande mérito foi como gerador de hipóteses. A partir desse trabalho, passamos a nos questionar: será que há riscos anteriormente não percebidos? Aumento na taxa de FA e fraturas? Lesão renal aguda? Sem dúvida esses pontos seguirão em aberto, aguardando estudos desenhados especificamente com essa finalidade. Chato termos de conviver com essa dúvida, mas… “é o que temos para hoje”! Ficaram mais dúvidas do que respostas. E lembre-se: nada de extrapolar os resultados aqui apresentados para outros contextos!
REFERÊNCIA
Lincoff AM, Bhasin S, Flevaris P, Mitchell LM, Basaria S, Boden WE, et al. Cardiovascular Safety of Testosterone-Replacement Therapy. N Engl J Med. 2023.
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